17 outubro 2006

Resenha "Hermenêutica e Interpretação Constitucional"

Hermenêutica e Interpretação Constitucional
R E S E N H A

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor/IBDC, 1997.

Resenha elaborada por João Ibaixe Jr.
(Professor e Advogado; Mestre em Direito e Doutorando em Filosofia pela PUC/SP)


I – Distinções preliminares

1. Noção inicial
Interpretar é atribuir um sentido ou um significado a signos ou a símbolos, dentro de determinados parâmetros. Atribuir na medida em que se trata de uma atividade subjetiva, ou seja, a norma não possui pôr si só a solução do caso concreto como pressuposto.
Isto porque a linguagem normativa possui significação equívoca diversa, causada pôr fatores como imprecisões gramaticais, erros lógicos e incorreções sintáticas.
Assim, o trabalho do intérprete é mediar o objeto da interpretação e seu objetivo, que é a aplicação ao caso concreto.

2. Distinção entre hermenêutica e interpretação
Alguns autores, como Miguel Reale, não vêem necessidade prática na distinção. Porém, vislumbram duas situações onde a hermenêutica configura-se como uma ciência dedicada ao estudo e determinação das regras que presidem o processo interpretativo, enquanto a interpretação situa-se no plano concreto.
Contudo, a distinção é importante porque as atitudes intelectuais em cada uma delas é distinta.
Na hermenêutica, por se tratar de enunciados que preordenam a atividade interpretativa concreta propriamente dita, verifica-se uma existência autônoma independente de qualquer situação ou realidade fática. Ela existe por si só no campo teórico.
Já a interpretação pressupõe a existência de um caso real que mereça estudo. Porém, esta é lastreada pelos enunciados fornecidos, em caráter abstrato, pela hermenêutica. A interpretação visa a um caso concreto.
Cabe a observação de que a hermenêutica existe com um objetivo mediato de ser utilizada na ocorrência de um caso concreto, posto que o intérprete dela se socorre para a solução do problema que se lhe apresenta.
Mesmo assim, a distinção é importante para fins didáticos e de estudo, tendo em mente que durante a interpretação são aplicados os enunciados da hermenêutica e nesta são analisados, refletidos, estudados esses enunciados.

3. Interpretação Jurídica
A interpretação tem dois significados:
a) atividade do operador jurídico (interpretação-atividade)
b) resultado desta atividade (interpretação-produto)
Utiliza-se aqui a noção de interpretação atividade.

3.1. Interpretação jurídica enquanto fenômeno cultural
3.1.1. Fenômenos naturais e culturais
Existe clara distinção entre as ciências naturais e as ciências culturais. Nas primeiras o método predominante é o da observação seguido da constatação.
Nas ciências culturais há predominância da interpretação, posto que o mundo cultural é caracterizado por objetos recheados de significação, ricos em mensagens de conteúdo.
Embora em ambas utilize-se o termo “lei”, o entendimento deste é diverso. Com efeito, no mundo natural as leis são, ou seja, refletem a realidade observada e constatada, porque, se assim não o for, a lei natural deixa de existir.
Já no mundo cultural, mormente o jurídico (objeto do nosso interesse), a lei descreve algo que deve acontecer, algo que deve ser. Por isto, alguns autores fazem a distinção entre mundo do ser e mundo do dever ser (mundo cultural).
3.1.2. A lei e os demais fenômenos culturais
Também pode ser feita uma distinção entre os fenômenos culturais e o fenômeno jurídico, ramo do primeiro, com relação à interpretação.
Embora nos fenômenos culturais e no fenômeno jurídico (este entendido como a norma, que é objeto da ciência jurídica) haja a presença de uma mensagem de conteúdo, a intensidade dessa mensagem é diferente.
Enquanto nas ciências culturais a mensagem é sugerida, na ciência jurídica a mensagem (=norma) é imposta e obrigatória. Com efeito, as regras do dever ser das ciências culturais apontam para como deveria ser a melhor forma. Já as jurídicas obrigam ao que deveria ser a melhor forma.
Ambas têm sentido político e motivam o comportamento humano, porém a regra jurídica não só motiva como exige, obriga ao comportamento.
Por esta razão, as interpretações têm que ser efetuadas de modo diverso, caracterizando-se a jurídica por um significado preciso e válido, posto que vai ordenar condutas ao homem.
3.2. Razões da Imprescindibilidade da Atividade Interpretativa
Por ser a interpretação um meio de determinação do conteúdo e significado da norma, ela é pressuposto para a aplicação da regra jurídica.
A causa está na imprecisão da linguagem que, tendo em vista o caráter genérico e abstrato do objeto normatizado, torna-se uma necessidade para que se abranja uma quantidade maior possível de situações.
Está distante a idéia de que a simples leitura de uma texto legal permite sua interpretação pelo fato de que o significado das palavras é (ou deveria ser) evidente, bem como o brocardo “in claris cessat interpretatio”. Isto porque, para se chegar ao significado das palavras, deve existir interpretação, a qual dirá se o texto é claro ou não.
Vislumbram-se dois momentos:
a) o texto legal que normatiza situações
b) confronto do caso concreto com o mesmo texto legal.
No segundo momento inicia-se o trabalho de interpretação cujas diretrizes e postulados vão-se buscar na hermenêutica.
3.3. Significado da Interpretação
A interpretação visa a aclarar o objetivo da norma jurídica, informando seu raio de ação face aos casos concretos.
Parte-se sempre do pressuposto de o ordenamento jurídico ser um sistema e a interpretação torna-se cada vez mais indispensável a medida em que a norma é mais abstrata, podendo-se chegar a resultados diversos, até porque há uma parcela de participação da vontade do intérprete desde que dentro da correta técnica jurídica.

4. Seleção da Norma Aplicável
Inicialmente no processo interpretativo seleciona-se a norma aplicável ao caso concreto, não se esquecendo que a interpretação sempre pressupõe a existência desse.
A norma aplicável é aquela que melhor pode ser aplicada ao caso concreto.
Com a determinação da norma, passa-se à utilização dos enunciados hermenêuticos, visando ao significado preciso do dispositivo face à situação fática.

5. Integração
Interpretação, integração e aplicação não se confundem.
Interpretação é a busca do significado de um texto legal.
Quanto a integração, tem-se numa de suas acepções que é o processo de supressão das lacunas do Direito.
Conforme Limongi França é a idéia de tornar integral a lei, quando defeituosa. Não se trata de uma fonte interpretativa, mas sim de um processo para se preencher um vazio jurídico que gera insatisfação social. É uma complementação da falha legislativa.
Numa segunda acepção, é entendida como a normal explicitação de regras constitucionais pela normatização inferior. Assim é o processo normal de regulamentação da Constituição.
Cabe ressaltar que nem toda regulamentação é integração. Deve-se diferenciar as normas aplicáveis das normas de integração.
As normas aplicáveis (ou de aplicação) são aquelas que não demandam ou necessitam de regulamentação e, se esta houver, deve ser cautelosa e limitada para se evitar eventual ferimento ao texto constitucional.
As normas aplicáveis dividem-se em:
a) Irregulamentáveis
b) Regulamentáveis
As normas de aplicação irregulamentáveis incidem diretamente sobre os fatos que regulam e são tratadas somente em nível constitucional. Tem-se aqui normas que regem a separação de poderes e a divisão de competências nos três níveis da federação. Também pode-se citar aquelas referentes aos Direitos e Garantias Fundamentais.
Já as normas de aplicação regulamentáveis, embora não demandem atividade integradora e sejam suficientes para incidirem imediatamente, podem ser explicitadas pela norma infraconstitucional ou ampliadas em sua incidência.
As normas de integração são aquelas que, para gerarem efeitos, necessitam de normas infraconstitucionais, a fim de inteirarem-se em seu comando e desencadearem seus efeitos. São identificáveis pela presença de expressões como “nos termos da lei” ou “lei regulará”. Dividem-se em: completáveis e restringíveis.
a) completáveis = demandam um aditamento, uma soma de conteúdo
b) restringíveis = as normas infraconstitucionais restringem ou reduzem o campo de incidência da norma constitucional

6. Aplicação
Como já se viu a interpretação é o pressuposto necessário da aplicação.
Aplicação é a execução do Direito pelo órgão competente (Executivo ou Judiciário). Vislumbra-se aqui também uma atividade criadora de Direito.
Existem dois momentos no processo de efetivação da norma jurídica:
a) seleção da norma aplicável
b) efetiva aplicação desta norma.
No primeiro há também um processo de interpretação inicial e não exauriente. No segundo há a necessária interpretação que pressupõe a aplicação da norma.


II – Peculiaridades Justificantes da Hermenêutica Constitucional

1. Posicionamento singular das normas constitucionais
A interpretação constitucional apresenta uma série de particularidades que justificam tratamento diferenciado, um estudo autônomo, isto porque a Constituição possui uma natureza política específica de instauração do Estado e da Sociedade e a doutrina é praticamente uníssona em afirmar a individualidade de uma interpretação constitucional.

2. Inicialidade fundante das normas constitucionais
A Constituição é o fundamento de validade primeiro de todas as demais normas do ordenamento jurídico. Ela tem função determinante exterior sobre as normas inferiores.
Assim, de sua interpretação, depende a validade ou não de uma norma infraconstitucional. Portanto, a interpretação tem que ser específica.

3. Caráter Aberto das Normas Constituicionais e sua Atualização
Com frequência encontram-se na ordem constitucional princípios genéricos ou norma programática de ampla (aberta) conotação. Assim existe a necessidade de “atualização” das normas constitucionais, o que obriga a interpretação a transformar-se num elemento de renovação da ordem jurídica ao mesmo tempo que a mantém intacta.

4. Linguagem Constitucional
4.1. Caráter Sintético dos Enunciados / Existência de Lacunas
Lacuna é um vazio normativo que não satisfaz o aplicador do Direito. Neste caso aplica-se a integração.
Contudo, em nível constitucional, deve-se ter o cuidado de verificar se o legislador constituinte quis deixar para a norma infraconstitucional a obrigação de tratar de determinado assunto, do qual a lei comum não pode se abster.
Assim, não se pode em termos da Constituição falar-se em “lacunas” com propriedade. Já na lei comum a expressão pode ser tomada em sua plenitude.
Em casos excepcionais pode-se aproveitar a idéia do termo “lacuna” quando se encontrar, em nível constitucional, uma situação definida e outra semelhante não definida. Para solucionar-se a última, pode-se utilizar o recurso da analogia, não ocorrendo propriamente interpretação, mas sim um procedimento cujo fim é o mesmo da interpretação, ou seja, a solução do caso concreto.
Apenas no direito infraconstitucional o instituto da analogia atinge sua amplitude porque a lei não pode deixar de regular a situação que lhe é determinada. Se isto ocorrer, haverá o vazio normativo gerador da insatisfação de justiça, enfim, a lacuna.
A matéria é controversa na doutrina
4.2. Caráter amplo dos termos empregados e princípios
O texto constitucional predomina por ser composto de princípios em sua maior parte. Existem enunciados cujo significado é dominantemente amplo, posto que o âmbito de regulamento do Direito Constitucional é amplo em si mesmo, gerando interpretações diversas entre si.
Os princípios constitucionais visam a abrangência e devem ser concretizados pelas normas infraconstitucionais. Isto não implica que a aplicação desses princípios constitucionais deva ser feita por meio da interpretação da lei comum.

5. Opções Políticas na Constituição
Outro fundamento para a interpretação constitucional ser específica é o fato de que as situações reguladas são de caráter político, embora sejam também imbuídas de caráter jurídico.
Porém, apesar de haver um influxo político preponderante, a interpretação da Constituição não deve ser de natureza política, embora haja inegável influência desta. Tal influência não deve ser demasiada para não se empobrecer a consistência jurídica da Carta, mas pode permitir a “mutação normativa informal”, ou seja, a mudança do sentido da norma sem se alterar seu texto.


III – Quem Interpreta a Constituição

1. Fontes interpretativas
Fonte interpretativa significa aquela que interpreta uma regra jurídica.
Embora, em tese, todos os indivíduos acabem por interpretar a Carta Magna, existem cinco (50 fontes interpretativas consideradas essenciais com relação à Constituição.


2. Interpretação Político-Legislativa
Ao editar novas normas, o legislador procede a uma interpretação das já existentes, procedimento este denominado pela doutrina de interpretação autêntica.
Trata-se de condição para o exercício da atividade legislativa, apesar de não ser propriamente um modelo de atividade interpretativa, uma vez que não há uma situação fática concreta. O legislador tem que extrair o significado da norma para então proceder à atividade legislativa ordinária.

3. Interpretação Jurisdicional: Juizes e Tribunais
Quando o órgão é incumbido de aplicar o Direito, para esta tarefa, deve proceder à interpretação, chamada de interpretação operativa.
Cabe-lhe analisar a lei para verificar sua compatibilidade com o texto constitucional, dentro do princípio “ne procedat judex ex officio”.
A esta atividade denomina-se controle de constitucionalidade das leis, havendo a distinção entre controle difuso e controle concentrado. O primeiro ocorre quando o juiz, dentro do processo, dispõe de liberdade para analisar a compatibilidade da norma com a Constituição. No controle concentrado, consubstanciado pela ação direta de inconstitucionalidade, o STF efetua a análise de determinada lei ou ato normativo em face da Constituição.

4. Interpretação promovida pelo Poder Executivo
Os órgãos da Administração também exercitam a atividade interpretativa em dois momentos:
a) quando aplicam o Direito concretamente
b) na criação de normas a elas competentes.
No primeiro caso a interpretação é limitada em face do princípio da legalidade que obriga a administração a fazer aquilo que somente lhe for determinado pela lei e em sua exata extensão.
Tem entendido o STF que a administração não está obrigada a cumprir lei inconstitucional, porém a suspensão deve ser determinada pelo chefe do Executivo fundadamente e também deve haver propositura da ação direta de inconstitucionalidade.

5. Interpretação doutrinária
É aquela que deriva da doutrina, dos mestres e teoristas do direito. A autoridade desta interpretação depende do grau de reputação intelectual e da força lógica dos argumentos expostos por seus autores.
Os repertórios de doutrina tornam-se fonte útil ai operador do Direito. A tarefe do jurista é a de sistematizar o direito vigente e elaborar conceitos jurídicos.

6. Fontes Genéricas
Trata-se aqui das interpretações ocorridas em processos judiciais por meio das partes e seus representantes, buscando influenciar na interpretação operativa.
Também ainda daquela interpretação realizada pela opinião pública e pela imprensa, aceitando-se um conceito mais amplo de intérpretes constitucionais.
Numa concepção tradicional, interpretação é a atividade que, de forma consciente e intencional, dirige-se à compreensão do sentido de um texto normativo. Somente nesta concepção pode-se perquirir um método.


IV – Objeto da Interpretação Constitucional

1. Texto Constitucional como objeto da interpretação
O objeto da interpretação é o texto constitucional com suas regras e princípios, considerando-se que a finalidade é sua aplicação ao caso concreto específico, embora deva-se ter em mente que a Constituição deve ser considerada em seu conjunto.
Quanto aos princípios consagrados constitucionalmente, como diretriz para a atividade interpretativa, na medida em que são guias para sua própria interpretação.
O mesmo pode-se dizer do preâmbulo da Constituição. Contudo, há corrente doutrinária que nega sua conotação jurídica, estando fora do campo da interpretação constitucional. Tal corrente desconsidera a função axiliar do preâmbulo, que é importante, para a atividade interpretativa, na medida em que mostra os pontos basilares do sistema dispositivo constitucional, os quais serão encontrados no texto da Carta Magna.

2. Amplitude do Objeto da Interpretação Constitucional
Questiona-se se as sentenças de matéria constitucional são objeto da interpretação constitucional. A doutrina entende que sim, principalmente após a criação no direito pátrio da ação declaratória de constitucionalidade, que possui efeito vinculante. Assim as mencionadas sentenças passam a ser consideradas como Constituição formal.

3. Combinação de todas as formas de representação do objeto da interpretação constitucional
Para se bem exercer a atividade de interpretação constitucional deve-se ter em mente a consideração de todos os elementos ou objetos para um resultado complementar saudável à atuação da Constituição.


V – Finalidade da Interpretação Constitucional

1. Função da Interpretação Constitucional
O Direito é geral e abstrato e necessita de um método que consiga adequa-lo às realidades concretas em função das quais existe. Esta é a função da interpretação, ou seja, ela dinamiza e dá vida à norma para que esta reflita uma certeza de estabilidade bem como uma legitimidade dinâmica.

2. Cumprimento da Constituição
As regras constitucionais visam à regulamentação da sociedade. Paralelamente, mesmo sem incidir sobre casos concretos, gera as diretrizes da atividade legislativa comum.
Aqui a interpretação constitucional permite, no primeiro caso, verificar os reflexos da norma para a vida de cada cidadão e, no último, analisar a validade ou não da produção legislativa.

3. Atualização Histórica de Conceitos Constitucionais
Há três correntes:
a) As regras constitucionais são fixas para que haja segurança e estabilidade das instituições jurídicas
b) A interpretação constitucional tem que se adaptar às necessidades políticas
c) Reúne as duas, ou seja, existem princípios fixos e outras regras que sofrem influência de reflexos políticos para que a Carta mantenha-se viva e atuante (cláusulas gerais).


VI – Pressupostos Hermenêuticos Constitucionais

1. Noções Introdutórias
Ressalta-se inicialmente a hesitação doutrinária e a absoluta falta de unidade na nomenclatura empregada. Didaticamente verificam-se três realidades:
a) Postulados (obrigatórios não escritos) = comando, ordem dirigida a todo aquele que pretende interpretar. Preexiste sobre a interpretação e a Constituição. É uma condição da interpretação.
b) Instrumentais Hermenêuticos (selecionados de acordo com caso concreto) = são instrumentos de operação do sistema constitucional; são fórmulas que disciplinam a interpretação
c) Princípios (obrigatórios escrito) = são as diretrizes, ou seja, fornecedores de direção e estão presentes na Carta Magna. (conteúdo sociológico)

2. Postulados Constitucionais
Postulados devem aqui ser entendidos como pressupostos do sistema constitucional e analisados em conjunto. Não estão presentes na Constituição, mas sim no Direito Constitucional. São:
a) Supremacia da Constituição
A Constituição é norma superior em qualquer ocasião. Não se dá conteúdo à Carta Magna a partir das leis, ou seja, o ordenamento jurídico parte sempre da Constituição.
b) Unidade da Constituição
Significa que a Constituição deve ser interpretada evitando-se contradição em suas normas, ou seja, o intérprete deve considerar a Constituição sempre em sua globalidade e procurar harmonizar os eventuais conflitos que possam existir. Assim, as normas constitucionais são interdependentes e sistemáticas, devendo sempre ser consideradas em conjunto.
c) Maior efetividade possível
O dispositivo constitucional deve ser interpretado sempre num sentido que lhe dê maior eficácia possível.
Aqui se encontra presente a máxima segundo a qual a lei não emprega palavras inúteis. Portanto todos os preceitos constitucionais têm valia, não se podendo nulificar nenhum.
d) Harmonização
Por este postulado busca-se conformar as diversas normas ou valores em conflito no texto constitucional para se evitar a exclusão de qualquer deles.
Logicamente os diversos valores constantes do texto constitucional podem encerrar contradição porém, juridicamente, são passíveis de harmonização, na medida em que não se deve atribuir um significado tal que resulte contraditório ou incoerente. Não há forma absoluta de aplicação.


VII – Instrumentais Hermenêuticos

1. Encampamento dos diversos métodos doutrinários
A doutrina denomina estes instrumentais de diretrizes interpretativas entendendo-as como a diversidade de métodos interpretativos. O termo diretriz não é muito apropriado pois pode dar idéia de que os instrumentais seriam capazes de orientar plenamente o intérprete. Os instrumentais são vazios em conteúdo axiológico, apenas fundamentando a opção por um ou outro sentido. Nisto diferem dos princípios que são enunciados valorativos por excelência.

2. A letra da Constituição: Ponto de partida e limite último do intérprete
O ponto de referência obrigatório do intérprete é a letra da lei quer como ponto inicial de partida quer como limite externo da interpretação. Porém, a simples leitura das palavras não é suficientemente elucidativa para se compreender a norma e aplicá-la ao caso concreto. Logo, não se pode dar valor absoluto ao brocardo “in claris cessat interpretatio”.
Como a linguagem não tem significação unívoca, os instrumentais auxiliam na identificação da mais apropriada, devendo-se sempre invocar os postulados e os princípios (estes dois de caráter obrigatório).

3. Rol dos Instrumentais Interpretativos
a) Elemento gramatical. Deve-se atribuir sempre que possível o significado da linguagem comum, porque a norma jurídica não visa a atender apenas a um círculo de especialistas, mas sim a coletividade e aos cidadãos que não são especializados em linguagem técnica.
b) Elemento sistemático. A termos idênticos, utilizados por diferentes normas, deve-se atribuir o mesmo significado, salvo quando se tratem de situações diversas. Não há na linguagem constitucional polissemia, ou seja, diversidade de significados para um mesmo termo.
c) Elemento sistemático. A termos diferentes não se deve atribuir o mesmo significado, salvo em casos excepcionais, devidamente motivados. A linguagem constitucional não apresenta sinonímias, decorrência do postulado da unidade da Constituição.
d) Elemento sistemático. Os significados lingüísticos devem ser buscados segundo regras sintáticas da linguagem comum.
e) Elemento teleológico. O significado deve estar de acordo com a finalidade proposta pela instituição à qual pertence tal norma (elemento teleológico específico).
f) Elemento teleológico. A significação deve estar de acordo com a intenção do legislador histórico (elemento intencional). A vontade do legislador de certa forma está superada, posto que por diversos fatores, ele não expressa sua vontade propriamente.
g) Elemento teleológico. O significado deve estar de acordo com a intenção do legislador contemporâneo ao momento da interpretação, ou seja, com a intenção da lei (“voluntas legis” - elemento intencional). Distingue-se esta da “voluntas legislatoris”, pois ao invés do caráter subjetivista, valoriza o caráter objetivista da norma.
Isto significa, não que a lei (ser inanimado) tenha vontade em si mesma, mas que expressa a vontade em seu conteúdo semântico. Difere da anterior onde o verdadeiro significado estaria na mente do legislador. Ou seja, privilegia-se o ato do legislador e não sua mente.
Ambos instrumentais (“f” e “g”) devem ser analisados como dados para o processo interpretativo, ou seja, como itens a serem confrontados com outros em busca do conteúdo da norma.
h) Elemento histórico. O significado deve ser dado de acordo com o sentido histórico da norma.
Não se confunde com a intenção do legislador histórico, posto que se trata aqui de uma espécie de fotografia do momento histórico em que a norma veio à tona. A interpretação histórica opõe-se à evolutiva, porque na primeira destaca-se a noção inicial que se imprimiu a norma e na segunda procura-se adaptar a norma às realidades de sua época.

4. Positivação dos Diversos Instrumentais
Sem dúvida, se positivados, o procedimento interpretativo apresentará uma previsibilidade de resultados maior, além de resultar numa aplicação mais unitária e coesa do ordenamento jurídico. Contudo, esta positivação gerará a própria interpretação destas normas.
Mesmo positivadas, ainda terão seu caráter instrumental. Ainda para aqueles que as vêem como materialmente constitucionais, fato que vem ao encontro da noção de sua prevalência sobre as demais normas jurídicas, com exceção dos princípios constitucionais.

5. Integração dos diversos enunciados Instrumentais
Para se obter uma interpretação bem sucedida, deve-se conjugar os métodos (instrumentais) numa combinação mutável em relação à diversidade dos fatos sobre os quais as normas incidem.
Assim, a interpretação bem sucedida é aquela que demonstra o raciocínio pelo qual se chega a uma idéia, a uma conclusão. Este é o papel dos instrumentais, ou seja, persuadir aquele que analisa a decisão interpretativa. Somente os princípios tornam a atividade interpretativa mais precisa e transparente.
Há necessidade de utilização dos princípios constitucionais como vetores na opção metodológica do intérprete.


VIII – Dos Princípios Constitucionais: Diretrizes Hermenêuticas da Atividade Interpretativa

1. Apresentação e Localização dos Princípios
Com as mutações sociais, A Constituição deve se manter sempre atualizada, para se manter em dia com a realidade social.
Cita-se dois meios dos diversos existentes para alteração da Carta: a aprovação de emendas e a interpretação, mormente a Judicial.
No segundo caso, para aplicação ao fato concreto, não havendo na Constituição solução pronta para determinada situação, o intérprete deve se socorrer das direções fixadas, chamadas de princípios.
Os princípios têm conotação axiológica, sendo que alguns possuem regulamentação específica e outros vêm embutidos no contexto das diversas regras. Os aparentes conflitos, uma vez que se tratam de normas valorativas, devem ser solucionados tendo-se em primeiro plano a noção da unidade da Constituição e sua harmonização.
Princípios constitucionais designam realidades normativas que se caracterizam pôr serem as mais abstratas do ordenamento e são interpretados pôr si mesmos.

2. Os princípios em seu aspecto funcional
Visando-se a atingir um resultado satisfatório, devem ser utilizados os diversos critérios em subordinação aos princípios. Assim, estes exercem uma função diretiva e integrativa, na medida em que, controlando a interpretação, equilibram o desenvolvimento hermenêutico ao sentido desejado. Porém, não anulam uma norma constitucional que seja aparentemente inconpatível.
Portanto, os princípios cumprem relevante função na atividade desenvolvida pelo intérprete, sendo imprescindível à boa compreensão do texto constitucional. Sua utilização deve objetivar a harmonização das diversas normas constitucionais, nunca a exclusão ou eliminação de qualquer delas, nem mesmo poderão servir de fundamento a uma orientação que retire da norma seu mínimo de eficácia.

3. Princípios constitucionais e Princípios Gerais de Direito
Ambas as espécies são de interesse para a interpretação constitucional, porém são distintas.
Os princípios gerais de Direito estão em todas as áreas do ordenamento jurídico. São a expressão no campo jurídico das verdades ou valores transcendentais em que assentam as relações sociais. Podem ser extraídos do próprio texto da Constituição, mesmo quando não positivados, posto que servem de verdadeiro suporte ao conteúdo de todas as normas.

4. Os Princípios Gerais de Direito
A importância da diferença com os princípios constitucionais está no fato de que estes são invocados conforme a área na qual se esteja atuando, ao passo que aqueles deverão sempre se impor na atividade interpretativa. Enfim, apresentam generalidade absoluta de sua incidência.
Contudo, deve-se ter em mente que a invocação de um princípio geral do Direito para modificar a amplitude de uma norma, afastar sua eficácia ou alterá-la, não é admitida.

5. Tratamento na Constituição dos Princípios Gerais do Direito e dos Princípios Constitucionais
Modernamente os princípios constitucionais vêm sendo convertidos em direito positivo, passando a fazer parte do texto constitucional. Podem vir sob a denominação de princípios ou outro termo que denote a mesma função. axiológica.
Formam , assim, o esqueleto do texto constitucional que pode ser completado pôr outras normas não principiológicas.
Não há posição hierárquica superior, em comparação com o texto constitucional, mas sim prevalência última quando na atividade interpretativa.
Princípios gerais do Direito: São genéricos. Estão em todas as áreas do ordenamento jurídico. Não são positivados necessariamente.
Princípios Constitucionais: São específicos. Incidem na área em que atuam. Normalmente são positivados.

6. Princípios Constitucionais
São valores que deverão servir de critérios para futuras normas e para a interpretação.
Algumas noções foram cristalizadas como princípios nos textos constitucionais pela doutrina, formando o chamado núcleo essencial.
Clássico exemplo é o do “princípio dos poderes implícitos”(= na interpretação de um poder, todos os meios são ordinários e apropriados a executá-lo são considerados parte do próprio poder). Submete-se, apesar de alguma divergência doutrinária, ao postulado da harmonização, não sendo absoluto nem necessária sua consideração em determinados casos pelo intérprete.

7. Critério para aplicação dos princípios e valores
Devem estar presentes para controlar axiologicamente a interpretação efetuando, assim, o desejado desenvolvimento hermenêutico.
A interpretação não deve ser realizada somente com base nos métodos de hermenêutica que, isoladamente, são insuficientes para determinar a opção valorativa mais correta para o caso concreto.


IX – Elementos Empíricos na Tarefa Interpretativa

1. A força da realidade face à norma jurídica
As normas constitucionais estão ligadas à realidade fática na qual pretendem incidir. Esta é a essência da interpretação, vista como sendo o Direito vivendo plenamente a fase concreta e integrativa objetivando-se na realidade.
A realidade deve estar integrada ao processo de interpretação.
A legislação não acompanha o desenvolvimento técnico da ciência em geral, propiciando desta forma a utilização da interpretação evolutiva, que é a análise da realidade durante a atividade interpretativa para se chegar ao nível em que a sociedade se encontra.
Também não se pode separar a interpretação da existência de um caso concreto (mesmo hipotético), porque sem este não haveria necessidade daquela.
Isto ocorre mesmo no controle abstrato de constitucionalidade das leis, havendo diferença de enfoque fático. Com efeito, não se vislumbra um caso concreto, porém as diversas situações possíveis, primeiramente em nível contitucional e depois, infraconstitucional. Se a interpretação da lei gerar uma impossibilidade de interpretação com a Constituição, ela deverá ser declarada inconstitucional.

2. Implicações dos Efeitos Concretos da Decisão nas Considerações Interpretativas
Durante o processo interpretativo, existem certos efeitos de ordem política, considerados estes como forças sociais que atuam na mente do intérprete durante sua atividade. Ocorrem principalmente nas Cortes Constitucionais quando se verifica a repercussão na estabilidade econômica do país, no relacionamento internacional, na opinião pública, na imprensa ou de outro fator de peso para a atividade interpretativa.

3. Barreiras da Influência Fática Sobre o Direito
A influência fática afeta a compreensão da norma, embora não ocorra mutação formal.


X – Efeitos e Implicações da Interpretação Constitucional na Unidade do Sistema Jurídico.

1. Interpretação: Atividade Criadora
Existem duas correntes: cognoscitiva e voluntarista.
A corrente cognoscitica entende que se pode chegar à vontade da norma (interpretação objetiva), ou seja, a lei traz em si mesma a sua vontade que deve ser apenas reconhecida pelo intérprete.
Para a corrente voluntarista, a vontade desloca para o intérprete, que não é um ser inanimado e a interpretação deixa de ser uma operação mecânica para se tornar um processo seletivo e valorativo. Desta forma, vislumbra-se a estabilidade jurídica se sobrepondo à simples segurança jurídica, permitindo a inovação e movimentação do Direito sem a alteração formal ou escrita da lei.

2. Conferência de Unidade ao Sistema
2.1. Interpretação conforme a Contituição e inconstitucionalidade parcial sem redução de texto.
Esta orientação é aplicada no campo do Direito infraconstitucional.É uma forma integrativa da lei com a Constituição, onde para a lei ordinária não se pode atribuir um significado oposto ou incompatível com a ordem constitucional.
Assim, quando uma norma infraconstitucional apresentar dúvidas em relação a seu exato significado, deve dar-se preferência à interpretação que lhe coloque em conformidade com os preceitos constitucionais.
Um outro aspecto deve ser ressaltado quando o significado é tido pelo mais adequado, a saber: quando o Tribunal Constitucional julga e decide pelo significado ou sentido constitucional, os demais sentidos inconstitucionais não são admitidos mais. Contudo, a ação é improcedente posto que a norma permanece no ordenamento jurídico, não gerando os efeitos da coisa julgada. Assim, não havendo caráter vinculante a decisão da Corte Suprema pode não ser aceita pelos demais órgãos jurisdicionais.
Ao resultado de adequar o significado da norma ao texto constitucional dá-se o nome de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto.
2.2. Declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade e a mutação constitucional.
Neste caso, a Corte Suprema declara que a norma é constitucional, mas se encontra em trânsito para a inconstitucionalidade, desde que haja alteração das circunstâncias fáticas ou compreensão do significado da Constituição.
É uma extensão do conceito anterior, porém particularizado pela influência fática, ou seja, pela alteração do fato concreto sobre o qual a Constituição deva inserir, o que gerará uma adaptação ou interpretação mais atualizada pelos métodos hermenêuticos.
2.3. Declaração de inconstitucionalidade como apelo do legislador.
Ocorre quando a Corte Constitucional determina a inconstitucionalidade da lei, mas indica o caminho para o legislador regulamentar a matéria, tornando essa lei compatível com a Carta Magna. No Direito Brasileiro tal instituto não vigora, pois a lei deve ser simplesmente declarada inconstitucional.
Tem relevância apenas na ação de inconstitucionalidade por omissão, quando o julgador exorta o legislador a realizar um trabalho legislativo.
2.4. Proporcionalidade, razoabilidade ou proibição do excesso
O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade é uma tentativa de determinação de critério ou critérios que incidirão no caso concreto.
Desdobra-se em três aspectos:
a) proporcionalidade em sentido estrito
b) adequação
c) exigibilidade
Proporcionalidade em sentido estrito ocorre quando o meio utilizado for o mais vantajoso no sentido da promoção de certos valores, com o mínimo desrespeito a outros.
Adequação se faz presente quando com seu auxílio se pode promover o resultado desejado.
Exigibilidade é o aspecto que diz que não se poderia ter escolhido outro meio igualmente eficaz.
No Direito Brasileiro, pode-se considerar o princípio da razoabilidade implícito no sistema (princípio constitucional não escrito) ou extraí-lo da arantia do devido processo legal.
O princípio da proporcionalidade parte dos princípios constitucionais como objetivos últimos do sistema jurídico e analisa a conformidade ou não das leis a estes.
Desta forma, verifica o fim objetivado pela norma constitucional, o qual deve ser atingido pela lei comum respeitados os aspectos da razoabilidade.

3. Consideração final sobre os efeitos da Decisão Interpretativa
As decisões interpretativas do Judiciário são tomadas, tradicionalmente, como neutras. Porém, pela via jurisdicional é que se coloca o ordenamento jurídico como algo mais seguro, oferecendo menos opções de dúvidas que o texto normativo puramente nascido da fonte legislativa.


CONCLUSÕES
a) A aplicação de todos os enunciados gera uma atividade científica cultural, contudo sem oferecer solução verdadeira para o caso. O trabalho hermenêutico deixa um espaço em aberto que vai ser preenchido pela atividade criadora do Magistrado.
b) A Constituição possui seus próprios métodos formais de mutação. A interpretação alcança e absorve as mutações sociais evitando-se esse esforço.
c) A interpretação constitucional deve visualizar as normas como sistema uno, com caráter aberto de linguagem e de estrutura.
d) Não pode ser a atividade interpretativa rígida. Deve ter em vista os valores preservados na Constituição e os fatos sociais pôr ela regulados, sem tendências ou apelos ideológicos.